segunda-feira, 25 de junho de 2012

Reflexões sobre a organização social indígena


   Faremos uma breve reflexão sobre algumas características que sempre permitiram que a organização social das aldeias indígenas possuíssem uma harmonia invejada pelos moradores das grandes cidades.

Cacique Raoni
Cacique Raoni
   Os indígenas tiveram, no passado, uma característica importante para sua organização sócio-cultural: desconheciam Karl Marx da mesma forma como não conheciam o choque entre classes sociais.
Dentro da realidade indígena os recursos são permitidos a todos, pois estão na natureza, e a educação indígena familiar permite que todos os jovens de uma aldeia saibam realizar as mesmas tarefas, por intermédio do mesmo acesso a informações e conhecimentos. Esta educação é a formadora da identidade e sentimento indígena, a noção autêntica de ser nativo. O índio só sabe que é índio pelo o que sabe, pela sua educação e formação familiar. Esta formação é independente da aldeia ou cidade, ela é unicamente familiar, ou seja, se dá pela interação entre parentes.

   É preciso entender que a noção de família é diferente para o indígena, esta noção não é limitada como a visão patriarcal ou monárquica da Europa colonizadora. A família do indígena é o coletivo que o cuida e que, ao mesmo tempo, permite ser cuidada pelo seu desejo individual de ser parte do grupo. Se a organização social indígena permite que todos executem sua individualidade, mas ao mesmo tempo faz com que as individualidades sejam partes similares do coletivo, temos uma educação humana que agrega e fortalece os grupos e culturas indígenas.

  Antigamente se alguém perguntasse para um menino indígena o que ele gostaria de ser quando crescesse, certamente ele diria que desejaria ser um guerreiro da sua aldeia. Isso mostrava como a sua comunidade era a sua referência de mundo e de futuro de vida, pois se a família do indígena é a coletividade que o cuida e é cuidada por ele, ser um guerreiro da sua aldeia significaria ser um protetor da família. Mas atualmente os jovens aldeados desejam seguir carreiras específicas, desejam ser médicos, advogados, engenheiros. Desejam ter uma diferenciação dos demais parentes indígenas,   eles desejam o prestígio dos títulos acadêmicos.

   Jovens índios do Xingu viajam cerca de sete horas de barco mais duas horas de ônibus para poderem comprar seu primeiro notebook. Carros e motocicletas são o transporte de muitas aldeias, equipamento de filmagem e fotografia são usados pelos jovens indígenas para registro das festas sagradas e até mesmo do cotidiano da aldeia, algumas destas imagens vão para o youtube, em projetos como o Video nas Aldeias. Podemos perceber, através destas mudanças, que o perfil do jovem indígena vem se transformando. A lógica de consumo de produtos, imagens, informações, invadiu a aldeia. A industria cultural hegemônica, a novela por exemplo, está inserida na realidade desta geração indígena. O universo digital também marca uma forte presença entre estes jovens, muito já são usuário intensos de redes sociais, e o Facebook é plataforma ideal para debate de causas indígenas.

  Infelizmente os meios de comunicação de massa não mostram essas mudanças, as emissoras  de televisão focam em reportagens que constroem uma imagem irreal do indígena contemporâneo. A sociedade vê as aldeias como ocas isoladas do mundo das mídias, acreditam que o indígena anda o dia inteiro nu e não faz mais nada além de caçar, pescar e dançar. Muitas pessoas, ao saber que essa imagem construída pelas grandes mídias é falsa, se decepcionam. Até questionam se o indígena deixou de ser índio, ou se as culturas da população indígena estão sendo destruídas. Mas se voltarmos ao início deste texto veremos que o que faz o índio ser índio é a sua educação e não o modo como se transporta entre as aldeias ou o modo como se comunica com o mundo. O jovem indígena não deixa de ser índio por usar um iphone, andar de motocicleta, ou registrar o dia-a-dia de sua aldeia com uma câmera Canon Mark II 5D, pois o que faz ele ser índio é a sabedoria e conhecimentos que herdou no berço da sua educação familiar.

   Estas evoluções fazem com que os conhecimentos entre os indígenas já não sejam os mesmos, uns sabem técnicas de filmagens, outro sabem sobre as leis do nosso pais, outros sabem sobre cuidados médicos. O indígena contemporâneo diversificou-se, transpôs barreiras e fundiu conhecimentos e saberes. As aldeias evoluíram para si próprias e para as suas comunidades, ainda que longe dos olhos da sociedade urbana, cada vez mais decadente. Esta mudança na organização social, que faz com que indígenas não sejam mais iguais em conhecimento e possuam recursos diferentes, não os segrega, mas os une ainda mais. Essa união que se consolida mesmo na mais ampla diversificação de conhecimento é saberes só é possível pela construção de uma identidade forte, a identidade indígena.

    O respeito as tradições não impede que os jovens indígenas as questionem, a admiração que possuem pelos anciãos não os impossibilita de quererem ser diferentes.  As diferenças entre indivíduos são menores que a unidade coletiva de um povo ou uma aldeia, isso significa que a cultura e a educação moral e ética são responsáveis pela criação de um sentimento infinito, capaz de unir os indivíduos mais diferentes dentro de uma comunidade indígena.

   Se os índios podem incorporar as evoluções tecnológicas e culturais das cidades ao seu cotidiano, com intuito de aprimorar seu modo de vida, por que não podemos introduzir nas cidades o modo de educação indígena, os valores éticos e morais, o respeito aos mais velhos e a origens entre muitas outras características extremamente humanas, que as comunidades indígenas possuem e conservam e cada indivíduo que as compõem? Seria possível a criação de um método pedagógico que valorizasse preceitos, valores e técnicas da educação familiar indígena? Sem dúvida seria um proveitoso desafio. Um dos elementos importantes da educação familiar indígena é a linguagem, uma linguagem simples é a base da comunicação entre educadores e educandos de uma família. Esse elemento importante da educação familiar dos índios, a comunicação simples, infelizmente não é usado nas salas de aula das universidade, onde impera a linguagem complicada que atrapalha o verdadeiro aprendizado. Entre muitas idéias que surgem ao lermos esse texto, poderíamos até idealizar uma publicação que orientasse os pais das cidades sobre como os povos indígenas mantém uma educação de valores éticos e morais importantes para a construção de um caráter e identidade familiar. Enfim, muitas são as idéias para usarmos a sabedoria ancestral dos povos nativos para a melhor convivência nas cidades. Não vamos abrir mão de uma fonte tão valiosa de conhecimentos sobre a vida e a humanidade. Gostaríamos de receber idéias para aplicarmos os saberes indígenas nas práticas educacionais e pedagógicas urbanas, mande sua contribuição para caciqueblog@ymail.com.

Obrigado!

Equipe Cacique Blog
Autor do texto: Diego Seguro (Kwarahy)
 

 


    

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